Nuno Rebocho |
Como se sabe, as investidas de corsários a Santiago, principalmente contra Ribeira Grande, centraram-se sobretudo na segunda metade do séc. XVI: “A partir da década de 1560, a concorrência cada vez mais acentuada de mercadores estrangeiros que inundam a Guiné com um diversificado leque de produtos, deprecia gradualmente o algodão produzido em Cabo Verde e usado pelos moradores no resgate na costa africana” (in História Geral de Cabo Verde). Os corsários foram uma das armas usadas nesta “guerra comercial” visando fragilizar o domínio de Portugal e Espanha nos territórios atlânticos, dado que as potências do norte da Europa não reconheciam o chamado mare clausum resultante do Tratado de Tordesilhas e punham em causa o poder da Santa Sé. Em consequência, “o arquipélago entra numa nova fase em que os sistemas de desgaste do modelo inicial se tornam evidentes, culminando na crise que se abate sobre a sociedade insalubre já nos fins da década de seiscentos” (“História Concisa de Cabo Verde”, coordenada por Maria Emília Madeira Santos, IIPC).
Francis Drake, por Jodocus Hondius |
No arquipélago de Cabo Verde vingava então uma urbe que se tornara num importante entreposto escravocrata: “o local escolhido para o povoamento da vila era um vale profundo e verdejante que era rasgado por duas ribeiras que desaguavam no mar, formando uma enseada com boas condições para a instalação de um porto que facilitasse as ligações com o exterior.
Ribeira Grande de Santiago, dita Cidade Velha |
Em consequência da carta régia de 12 de Junho de 1466, a actividade de comércio e exploração a partir de Ribeira Grande (e tal incidia sobre o tráfico de escravos) estendia-se desde Arguim à Serra Leoa, confinando-se esta actividade à zona dos rios da Guiné por outra carta régia de 1472.
Aparecem os corsários
Considerava-se que havia corsaria quando os golpes eram desferidos como actos reconhecidos e mandados executar sob ordens de um qualquer governo, recebendo então eles para este efeito carta de corso, e pirataria quando aparentemente essa disposição não existia. Embora piratas e corsários fossem a mesma coisa e igual o seu modo da actuar, aceite-se esta eufemística distinção, sublinhando que portugueses e espanhóis procediam igualmente à mesma actividade de corso ou pirataria contra os seus opositores (e muitas vezes nos seus próprios territórios).
Galeão de Francis Drake |
Para custear as despesas com a defesa de Ribeira Grande a coroa instituiu a Bula da Santa Cruzada de Cabo Verde, embora os ganhos auferidos por esta medida minguassem sobremaneira nos fins do séc. XVI (enquanto as despesas acresciam) e a Bula acabasse por entrar em desuso.
Durante o período inglês sobressaiu Francis Drake, nascido no Devonshire em 1543. Ele foi – desde 1558 (portanto, com apenas quinze anos de idade) - um dos “corsários da rainha” de Inglaterra, Isabel I (de quem alguns historiadores afirmam ser filho bastardo, com isso explicando as preferências que dela teve), juntamente com John Winter e Thomas Doughty. Os três partiram de Plymouth, com Drake a bordo do “Pelican”, em 15 de Novembro de 1577 com destino suposto ao Nilo, ainda que Drake desde logo defendesse que se dirigissem para o Oceano Pacífico, via estreito de Magalhães.
A circum-navegação do mundo por Francis Drake |
Esta circunstância pôs os corsários ingleses em alerta contra as capacidades de combate da então capital de Cabo Verde - embora ainda não estivesse construída a sua fortaleza e fossem frágeis os três baluartes por essa altura existentes (S. Brás, construído em 1582, Vigia e Ribeira) – e preparou o posterior ataque de Francis Drake. Estavam os locais preparados e justamente desconfiados das intenções inglesas.
De Cabo Verde, Drake prosseguiu rota para o Pacífico (em 1578/79) ao comando de cinco navios, passando pelo estreito de Drake e seguindo pelas Índias Orientais, passando pelo Cabo da Boa Esperança, sendo o segundo europeu a fazer a circum-navegação mundial (1580, depois de Sebastián del Cano). Após esta viagem, Drake foi nomeado cavaleiro de Inglaterra.
Considerado herói pelos britânicos, recebeu deles as mais altas honrarias, enquanto Filipe II de Espanha, que o tratava por “el Drague”, pôs a sua cabeça a prémio (20 000 ducados).
Imagem do que terá sido a Invencível Armada |
Em 1587, voltou a atacar a coroa espanhola (em Cádis, la Coruña e Lisboa) e no ano seguinte, em 1588, liderou o conjunto de embarcações inglesas que derrotaram a famosa “Invencível Armada” espanhola (chamada de “Grande y Felicíssima Armada”) na batalha naval de Gravelines, apenas estando subordinado a Charles Howard e à rainha, afundando então nada menos que 23 navios.
Em 1596, Drake fez terceira incursão em Santiago, desembarcando em S. Martinho Grande (Cadjetona) – onde se pensou construir um baluarte, o que nunca se verificou - e rumando por terra para Ribeira Grande à frente de uma coluna de 600 homens, galgou a distância, assim ludibriando as esculcas e os rebates, o que lhe permitiu desferir o golpe sem que houvesse rebate defensivo. Os corsários deixavam de concentrar atenções nos navios ancorados na baía de Ribeira Grande, atacando directamente os mercadores sediados na cidade e apropriando-se dos escravos nela existentes.
Mapa do género dos usados por Drake |
A defesa de Ribeira Grande reforça-se
Quando Drake procedeu à sua terceira investida, já existia a Fortaleza Real de S. Filipe, começada a construir em 1588 e concluída em 1589. A defesa recebera importantes reforços, com a instalação de companhias – onde os escravos dominavam, mas onde havia soldados e oficiais profissionais – e colocação de alguma artilharia, culminando com sistema de baluartes, a partir dos quais se fazia fogo cruzado (sete baluartes, a saber: o de S. Brás, o de Santa Marta e o de S. Lourenço, todos na margem direita da ribeira de Maria Parda; o do Presídio, junto da Muralha do Mar; os de Santo António, de S. João dos Cavaleiros e o de S. Veríssimo, na margem esquerda da Ribeira Grande, quase todos recuperáveis).
Estátua de Francis Drake, Londres |
Simultaneamente, rectificou-se a estratégia defensiva – com os navios navegando em “conserva” (de modo que o seu agrupamento minorasse significativamente a acção dos corsários), havendo galeotas que entretanto percorriam os mares, servindo-se da sua grande mobilidade e agilidade para actos de vigilância, e melhoraram-se os processos de espionagem sobre a parte contrária. Considerou-se o armamento artilheiro e outro de que Cabo Verde tinha graves carências e reformou-se a organização das tropas de terra, que desde 1582 se fez pelo sistema de companhias de ordenanças (bandeiras, tendo entre 250 e 170 homens, formadas a partir de esquadras de 25 soldados).
A unificação das coroas ibéricas (em 1580) importou num reforço das condições de segurança e, nunca como então, Cabo Verde mereceu especiais atenções na sua capacidade de combate. O redobrar desta força, que se estendeu até meados do reinado de Filipe III, foi acompanhado também por um reavivar dos ataques corsários, que se agudizaram de intensidade e ainda de poder de fogo.
Um personagem fundamental na história de Ribeira Grande
Drake a ser armado cavaleiro por Isabel I |
Francis Drake trabalhou para a Rainha Isabel I procurando acumular tesouros e riquezas para a coroa inglesa. Porém, caso essa aliança causasse problemas de qualquer espécie para a Rainha, a rainha poderia simplesmente quebrar o acordo e responsabilizá-lo por todos os saques e ataques (sem seu conhecimento), livrando a coroa de todo e qualquer problema presente e futuro.